sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Afeto


O cão vira-lata passa assustado. Chamo-o. Ele foge. Dou mais um passo e ele corre. “- Vem aqui cachorrinho!”, digo em voz alta. Abaixo-me. Fico do seu tamanho. "-Venha aqui. Só quero te fazer carinho. Quero te abraçar. Quero te ver. Quero cuidar de você!". Ele vem de mansinho, duvidoso. Será? E vem cada vez mais. Mas sinto que qualquer movimento brusco ou voz alta poderá espantá-lo. Então falo bem baixinho e estendo minha mão. "- Quero ser sua amiga, vem comigo!". E ele vem. Devagarzinho, devagarzinho. Ele veio sozinho.

Sento-me no meio-fio, em silêncio. Ele me olha. Eu olho pra ele fazendo sinal de que está tudo bem. Então fecho os olhos. Sinto sua presença. E logo percebo uma inexplicável afinidade. Dentro de mim um sentimento novo e estranho. O que fazer? Milhões de pensamentos. Mas logo ele se vai. Fico atônita. Surpresa. Mas logo ele pára e volta a me olhar. Permaneço inerte. Sinto que o menor movimento poderá assustá-lo. Não quero que se vá e por isso não me movo. Sinto que tem medo. Subitamente, ele retorna lentamente. E digo-lhe em pensamento: "- Vem, pode vir. Está tudo bem. Sou amiga. Confie em mim. Não há o que temer."

E ali, sentada no meio-fio, o cão me olha. Parece que me entende. Parece que fala. Acho que fala. Sabe da aproximação. Sabe do escuro da distância e da claridade de estar junto. Conhece o medo. Mas também conhece a liberdade de ser só. E de repente percebe o conforto da minha companhia. E se aproxima, mais e mais.

Ficamos próximos. Mas quase não nos encostamos. Tememos nossas diferenças. E a provável efemeridade daquele instante. Tão concreto que engana como sendo eterno. Mas sentimos paz, conforto, confiança. O verdadeiro pulsar da vida. E é então que percebemos que falamos a mesma língua, a do coração.

Levanto-me. Começo a caminhar em direção a minha casa. Ele me acompanha, lado a lado comigo. E seguimos caminhando em silêncio. Precioso silêncio.

Caminhamos distraídos por algum tempo. Não sei o quanto. E ele sempre atrás de mim. Como se quisesse cuidar de mim. Eu parava, ele parava. Eu andava, ele andava. Pela beira da calçada tentava disfarçar que não queria me perder de vista. Mas seguia com a cabeça baixa, cabreiro. Lentamente, balançava timidamente seu rabo. Então achei que se chamasse ele viria correndo e eu seria sua companhia para sempre. Chamei uma vez e ele não veio. Mas continuou me seguindo, mantendo-se próximo embora distante.

Até que cheguei em casa. Atravessei o portão e ele me seguiu. Sentei-me no chão da varanda. E o cãozinho vira-lata se aproximou e deitou-se ao meu lado. Acariciei delicadamente seu pêlo curto, com toda a minha doçura. Ele apoiou sua cabeça na minha perna e disse sem palavras, quase que em súplica: "- Continua, continua".

Mas na manhã do dia seguinte ele já não estava lá.

4 comentários:

  1. Anônimo, muito obrigada pelos parabéns! Mas não entendi o "muito digno"... Se quiser esclarecer... :)

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  2. será o mesmo anônimo da última postagem?? hummm... é pra pensar, né?

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  3. Carolzinha,
    Lindo texto. Alias, linda e rara sensibilidade. O caozinho nao estava mais la, mas certamente levou um pedaco do seu coracao com ele, aonde estiver ... Dizem que o universo nos devolve o mesmo sentimento que refletimos ao mundo ... O afeto nao precisa mesmo de palavras, so existe se for sentido. Parabens pelo blog e pelo seu dom de escrever, com certeza visitarei mais vezes. Bjo grande e bom voo sempre, Dudu Guedes.

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