quinta-feira, 25 de junho de 2009

Nobreza de alma

Durante um bom tempo, mantive no perfil do Orkut como sendo minha atividade “fazer o bem sem olhar a quem”. Essa expressão, que de fato retratava o que realmente procuro fazer no meu dia a dia, através de simples gestos, acabou me soando piegas em razão de algumas críticas que recebi. Resultado: exclui essa descrição do Orkut.

Mas ontem, ao ler a Vida Simples desse mês, acabei voltando a pensar no assunto e resolvi transcrever uma passagem do artigo que li. Lá vai...

“ Todos temos algo para dar. Pode ser dinheiro ou bens materiais, as associações mais comuns quando pensamos em generosidade. Mas também pode ser conhecimento, coisas que nós sabemos e que podem ajudar os outros. Pode ser um abraço, uma palavra de conforto, um carinho. Afinal, a generosidade é, antes de mais nada, uma inclinação do espírito para fazer o bem. A palavra vem do latim “generositas”, que significa “de origem nobre”. Com o tempo, passou a significar a nobreza não de nascimento, mas de espírito.

... apesar de ter se tornado artigo raro, a generosidade foi responsável pela sobrevivência do ser humano como espécie. Lá nos primórdios, quando o homem ainda morava nas cavernas e caçava para sobreviver, era essencial que o grupo se mantivesse unido. Quem dava sorte na caçada distribuía carne para quem não tinha conseguido nada. Mais para a frente, a situação se invertia e quem tinha sido ajudado da primeira vez retribuía o favor, e assim ninguém passava fome. Os espertinhos que só queriam saber de aproveitar da caça dos outros, sem retribuir, eram logo excluídos do grupo. Esse comportamento é conhecido na sociobiologia como “altruísmo recíproco” e foi descrito pelo pesquisador americano Robert Trivers nos anos 70.

Nesse ponto, é bom fazer uma distinção entre altruísmo e generosidade. Segundo o filósofo e educador Mario Sergio Cortella, as duas virtudes são boas, mas diferentes. Agir esperando alguma espécie de retribuição seria altruísmo, representado no lema “faça aos outros o que querem que façam contigo”. A generosidade seria a prática desinteressada, feita mesmo quando se sabe que não haverá recompensa, cujo mote é “faça o bem porque é bom fazer”. Essa separação é útil do ponto de vista filosófico. Na prática, porém, de pouco serve. É desnecessário ficar pensando em quais foram suas motivações para ajudar o próximo. Ninguém precisa ficar se gabando porque doou dinheiro para uma entidade beneficente. Mas não é pecado se sentir bem depois de uma boa ação. Esse pensamento de que é errado sentir prazer ao doar serve para nos distanciar ainda mais da prática da generosidade. Sob esse ponto de vista, enquanto não tivermos razões 100% sinceras e desinteressadas para ajudar alguém, não vale a pena fazê-lo. E nossas razões nunca serão 100% puras, sinceras e desinteressadas, afinal, fazer o bem faz bem.

Considerado o pai da filosofia e da matemática modernas, o pensador francês René Descartes também deu seus pitacos sobre a generosidade. Dela, dizia que é a consciência de ser livre e fazer bom uso dessa liberdade, ou seja, agir de forma virtuosa. Para ele, saber-se senhor dessa liberdade, e usá-la para ajudar os outros, fazia um bem danado para a pessoa, produzindo auto-estima. “E é por gostar de si próprio que o generoso passa a estimar também o outro, reconhecendo nele o mesmo potencial para a virtude”, diz o filósofo Jorge Quintas, que escreveu um trabalho acadêmico sobre a generosidade em Descartes. Um dos grandes psicanalistas da história, Donald Winnicott, foi ainda mais longe, afirmando que não conseguir doar pode fazer mal para a pessoa. Sem essa capacidade de se preocupar com o outro, ficamos desequilibrados, perdemos o sentido de viver.

“Clarice Lispector já disse: ‘Todos querem a liberdade, mas quem por ela trabalha?’ ”, diz o cientista político Leonardo Sakamoto, fundador da ONG Repórter Brasil, que defende os direitos humanos. A organização ajudou a libertar trabalhadores da escravidão, denunciou a prostituição infantil e abusos cometidos contra comunidades ribeirinhas, entre outras atividades. Leonardo, que também dá aulas praticamente de graça para membros da comunidade e alunos da USP, nunca ganhou por seu trabalho na ONG. Atualmente, vive da bolsa concedida pela Ashoca, entidade que financia empreendedores sociais do mundo todo. “Levo uma vida modesta. Não estou aqui para ter o carro do ano. Nada contra quem tem, só que eu optei por uma vida menos confortável, mas que me realiza plenamente”, diz ele.

Porém, a generosidade é uma virtude mais celebrada que praticada. “A generosidade só brilha, na maioria das vezes, por sua ausência”, escreveu o filósofo francês Comte- Sponville no livro Pequeno Tratado das Grandes Virtudes.

Se a generosidade se tornou artigo raro, um pouco da culpa é da sociedade atual, calcada em valores como egoísmo e individualismo. “Pensamos muito em nosso próprio umbigo e pouco no dos outros”, diz Mario Sergio Cortella. Para ele, isso é ainda mais forte nas classes mais altas. “Na favela, se desaba um barraco, a vizinha acolhe os filhos da que perdeu a casa, dizendo ‘onde comem dez comem 15’. Na classe média, às vezes as pessoas nem sabem o que fazer com os pais idosos”, diz. Isso acontece porque, nas favelas, ainda impera o espírito de cooperação que guiou nossos antepassados na época das cavernas. Sem a ajuda do vizinho, não se sobrevive.

(...)

Um dos mecanismos que a sociedade sempre teve para educar para o bem foram as religiões. Como sempre foram preocupadas com a moral, as crenças em um poder superior costumam estimular virtudes como a generosidade, a solidariedade, a compaixão. “Ninguém nasce generoso”, diz o reverendo Alderi Sousa de Matos, professor de História da Igreja do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, da Universidade Mackenzie. ‘É preciso aprender.’ ”
Sinceramente, ainda não sou tão nobre assim. Falta muitoooooo. Tenho que admitir que volta e meia sucumbo a atitudes extremamente egoístas, mas acredito que o importante é se manter alerta e consciente o tempo todo, afinal de contas, a paz, que para mim está intrinsecamente ligada à generosidade, só é alcançada a custo de muito exercício !!!!

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